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Brasil e mundo

Arte e política, maus companheiros

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A produtora 3LM cancelou apresentações da banda Ira, em quatro cidades: Jaraguá do Sul, Blumenau, Caxias do Sul e Pelotas, depois de o vocalista Nasi ter gritado SEM ANISTIA durante um show em Belo Horizonte. Vaiado por isso, ele se irritou e pediu que os vaiadores fossem embora do show. Caiu mal.

A empresa lamentou.

Alegou, porém, que se viu sem saída. Por causa do volume de pedidos de cancelamento de ingressos e da desistência de patrocinadores. Indo além, registrou em nota que artistas deveriam, por respeito ao público, subir ao palco apenas para apresentar seu talento. O episódio levantou uma questão. Até que ponto um artista deve se comprometer politicamente?

Mephisto

A relação entre arte e política rendeu uma obra literária clássica, depois transformada em filme. Publicado em 1936, o romance Mephisto, de Klaus Mann, conta a história de Hendrik Höfgen, um ator que adere ao Nazismo para manter sua carreira. Quando o regime se foi tornando perigoso, o aplauso que o ator recebe a a soar amargo. Valeu a pena ao artista vender a alma ao diabo?

O diabo é sempre o poder. Em qualquer forma.

Agora se soube que Gilberto Gil, um artista de mérito, ganhou R$ 4 milhões do governo Lula para uma turnê. O dinheiro virá dos Correios, que hoje opera no vermelho, assim como as demais estatais brasileiras. Gil foi ministro da Cultura no primeiro governo do PT e, como outros artistas (ainda em maioria), em público se identifica com a esquerda. É uma via de mão dupla.

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Gil

A esquerda dá dinheiro aos artistas porque sabe que a expressão artística toca o coração da massa, mesmo que a audiência não pague o custo material das produções. Já o artista se identifica com a esquerda pelas facilidades de financiamento. Não era assim antes de a esquerda chegar ao poder, nem quando Bolsonaro foi presidente. Mesmo tendo todos os defeitos que se sabe, ele achava que não era papel do governo cooptar artistas.

No Brasil nós temos essa ideia romântica e juvenil de que artistas são pessoas de “alma” e do “bem”, espelhos das nossas sensibilidades. São e não são. Porque, obedecendo ao princípio da realidade, no fim, como todo mundo, também eles precisam pagar as contas.

A verdade é que um artista que troca favores com a política para sobreviver já não se importa com a qualidade do aplauso, porque a bilheteria está paga de antemão. No entanto, Gil poderia ter encerrado a carreira com maior dignidade.

Depois que o PT chegou ao poder, cunhou um nome novo para os artistas. ou a se referir a eles como “trabalhadores da cultura”, identificando-os não mais como classe artística, mas como classe social. Por que isso? Para fomentar a ideia de que os artistas estão em sintonia com as bandeiras da esquerda. Como se a sensibilidade fosse algo exclusivo e tivesse uma só cor: rubra. Até parece. Certamente odiariam Visconti e seu filme O Leopardo, em que um personagem — presente no romance homônimo de Lampeduza, no qual o filme se baseou — diz: “É preciso que tudo mude, para que fique igual”.

Al Capp com Lennon e Yoko

No tempo em que eu me “sentia de esquerda”, vi um documentário sobre John Lennon. Numa cena, o músico e Yoko Ono, de pijamas na cama de um quarto de hotel no Canadá, recebem artistas para “um protesto pacífico e cantante em favor da paz no mundo”. Estava megalomaníaco. Como os discos dos Beatles vendiam como pãezinhos, Lennon, nessa altura rico, além de casado com uma filha de banqueiro de Tóquio, podia bancar seus luxos e caprichos.

Entre outros visitantes, aparece lá um cartunista: Al Capp, um homem mais velho, de uns 50 anos.

Capp questionou o ato político do casal, perguntando o que Lennon poderia fazer pela paz mundial sentado numa cama, sem ter atuação política ou social efetiva. Lennon não gostou. Bateram boca. Capp disse que os Beatles não lhe “faziam a cabeça”. Que, para ele, eram outros os artistas que lhe tocavam o coração. E foi saindo, negaceando com a cabeça, enquanto Lennon reclamava: “Ele não deveria estar aqui”, e tirando sarro, cantarolou algo com o nome de Capp, para desmerecê-lo. O cartunista ainda disse: “Não deveria estar aqui, por quê? Você convidou a todos para vir. Sou seu convidado”.

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A recusa do cartunista de embarcar na canoa de Lennon, como todas as recusas, me fez pensar: mesmo que me desagrade, sempre penso que em toda recusa há algo que merece atenção. Anos depois, Lennon cantou “the dream is over”. Ao menos foi sincero. Aceitara o que, sendo sensível como era, no fundo sempre soube. Que a paz é uma quimera. Então um irador o esperou em frente de casa e o matou.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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1 Comment

1 Comments

  1. Regardie Crowley

    15/04/25 at 18:02

    Agora são 5 os shows cancelados, Novo Hamburgo tbm.

Brasil e mundo

Pergunte à Alexa, é um caminho sem volta

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O mundo tem parecido uma grande confusão. É difícil decifrar o tempo vivendo nele, mas aquela sensação tem a ver com o aumento da produtividade. Em séries antigas de tevê, como Jornada nas Estrelas e Perdidos no Espaço, os personagens não fazem trabalho braçal. Máquinas e robôs fazem tudo. É o que está acontecendo.

Nos últimos anos, a produtividade acelerou muito, assim como o desemprego. Tudo agora é virtual, no celular. Os bancos, os escritórios, dois exemplos, não têm mais quase funcionários. A gente sabia que ia acontecer, como sabe que, logo ali, não se vai mais usar gasolina para mover veículos. De uma hora pra outra a mudança vem, o mundo vira do avesso e revoluciona a vida das pessoas.

Antes a economia era estável, por quê? Porque tudo era essencial. Hoje, com a produtividade alta, a maioria das coisas deixou de ser essencial. Agora compramos uma caneta por achá-la bonita, não porque precisamos dela. Roupas, a mesma coisa. Muitas coisas estão assim. Carros, tendo transporte de aplicativo, pra que comprar?

Quando há uma crise, a economia tranca porque 95% das coisas que compramos foi porque nos convenceram a comprar. Não são necessárias, e, ainda mais depois da pandemia, nos demos conta de que amos muito bem sem elas.

Nesse mundo novo, estamos sendo obrigados a inventar necessidades pra justificar o nosso trabalho. Mais ou menos como o barman que faz malabarismo com os copos pra se diferenciar.

Se a economia tranca e resolvemos economizar, só compramos comida e água; é o que todo mundo faz. Então, a economia tem que ser muito mais bem istrada, para não ter esses solavancos. Tudo mudou, e isso ficou mais claro nos últimos cinco anos. É como a água que vai batendo num castelo de areia, numa hora ele cai.

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Nos próximos anos, vão ocorrer mais modificações.

Estão tentando obter energia por fusão nuclear. Já estão conseguindo, falta controlar a reação, para poder concentrá-la.

Uma quantidade mínima de hidrogênio, elemento mais abundante no universo, se transforma numa quantidade colossal de energia, e limpa. Assim, uma pequena usina — instalada digamos em São Paulo — poderá fornecer energia para todo o Brasil, a custo baratíssimo.

Quando controlarem o H, vão acabar as hidrelétricas, acabar a extração do petróleo para uso combustível. Petróleo poderá ser usado ainda, mas na petroquímica (nylon, plástico etc.).

Já estão fabricando em laboratório até alimentos ricos em proteína como substitutos da carne, e mais baratos. Daqui 20, 30 anos, áreas onde hoje se planta e há gado vão ficar pra vida selvagem. Vastas áreas serão devolvidas à natureza. Dois terços do Brasil, estima-se.

Outra coisa que vai evoluir é a IA, ela sabe tudo. Pergunte à Alexa. Ela te responde tão rápido, que nem precisa pensar. IA, ela sabe tudo. Pergunte à Alexa.

Ela te responde tão rápido, que nem precisa pensar.

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Brasil e mundo

A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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