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Cultura e entretenimento 2w6762

Adolescência é competente, mas desonesta intelectualmente r4e73

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Aos poucos o impacto da minissérie inglesa Adolescência se vai esvaindo. No mundo moderno, produtos culturais são assim: depois de “causar”, logo seu impacto arrefece, substituído por outro produto. Digo assim, mas pode ser que me engane por um tempo extra, já que até intelectuais têm escrito coisas (absurdas) sobre a série, tratando a mentira que a história conta como se fosse realidade. Como se fosse um fenômeno do nosso tempo. Não é.

Vamos dizer a verdade. Os produtores foram desonestos, a começar da classificação da obra. Não é um Drama, como a venderam, mas sim Terror psicológico. Aí sim a história faz sentido. Foram desonestos também na escolha do título. Adolescência dá a entender que todos os adolescentes são íveis de virarem assassinos. Foram desonestos na abordagem, tocando deliberadamente o terror.

O diretor fez foi “apertar todos os gatilhos” que as famílias médias, ao menos europeias, têm pra mobilizar o alarme: o garoto é branco, é de classe média, a família é convencional, mora numa boa casa etc.

Resumindo: um garoto de 13 anos é preso acusado de matar uma colega de escola, supostamente por influência de uma “cultura de misoginia juvenil”. De onde vem essa misoginia? Na série, ela decorre de uma comunidade virtual intitulada Incel, formada por adolescentes que não conseguem encontrar parceiras românticas ou sexuais. O garoto tem uma autoimagem negativa. Mesmo não sendo feio, acha-se feio, e está sob influência daquela cultura e comunidade de excluídos das possibilidades românticas.

Uma boa obra de ficção mente para expressar uma verdade. Adolescência, porém, mente para expressar uma mentira. Pior: tenta fazer ar a mentira como verdade.

Considerando-a como Terror psicológico, os realizadores foram competentes. A minissérie é hipnótica. Cada um dos quatro capítulos é um plano-sequência. Após começar a gravar, o diretor só vai gritar “corta” uma hora depois. Tudo funciona com impressionante precisão suíça. Apesar das deslealdades da produção, o espectador se sente magnetizado.

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As primeiras impressões na imprensa foram de que a história é “um alerta sobre a nocividade das redes sociais, que difundem teses em caóticas que adolescentes acreditariam, desencaminhando-os”. Pais ficaram em polvorosa diante da sugestão de que seus filhos, através delas, podem igualmente perderem-se no crime, acabar de alguma forma com a própria vida. O terror psicológico atingiu seu objetivo.

Ora, na vida real, um adolescente rejeitado e que se sente inferiorizado tem um estoque de libido e a investe em algo. Não fica solta como a do garoto da série. Se não encontra objeto concreto (no caso, uma namorada), investe numa paixão platônica. Além disso, encontra outros canais para drenar suas frustrações, dedicando-se ao esporte, à leitura, aos estudos, às viagens, aos amigos etc. Por mais inábil que seja sexualmente, o adolescente sempre fantasia que vai encontrar alguém. Mais: todo adolescente se fecha no quarto, se afasta dos pais, começa a guardar segredos. Faz parte do crescimento.

Por mais que demonizemos as redes sociais, elas não mudam a índole. Apenas dão vazão ao que existe. Ninguém se torna assassino por culpa das redes ou de agressões psicológicas, mas sim por um conjunto de fatores que até a ciência forense tem dificuldade de explicar.

O garoto da série tem família estruturada. O pai trabalha, a mãe é zelosa. Estuda, tem confortos no lar, um quarto acolhedor, decorado. Não é um favelado. Não vive em meio à violência extrema que se vê nos subúrbios do Brasil, contra a qual se pode de repente, por autodefesa, “explodir”.

Os produtores da série exageraram na dose, aparentemente com o objetivo de “causar”. Para convencer do assassinato na história, este teria de ser motivado por uma razão que até poderia ter algo a ver com redes sociais, misoginia ou qualquer dos demais motivos sugeridos, mas nunca chega a se explicar por eles.

A série começa a tocar o terror desde a primeira cena, com uma ação irreal. Policiais vestindo balaclavas e armas pesadas arrombam a casa da família do garoto como se fossem prender um terrorista. Não convence. A prisão poderia se dar de dia, quando o garoto saísse pra ir à escola, por exemplo.

Se quiseram audiência, conseguiram. Mas, valeu a pena demonizar os adolescentes? Apavorar os pais, para quem o maior medo é que os filhos se percam, confundam e desistam da vida?

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Adolescência nem mesmo é entretenimento. Ainda que fosse vendida honestamente como Terror psicológico, não teria graça nenhuma. O fato é que prende a atenção. Todos os atores são ótimos, e o menino protagonista, Owen Cooper, é um assombro. Nunca havia entrado num set. É de ficar imaginando os desempenhos que ainda oferecerá se continuar no trabalho de ator.

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Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Cultura e entretenimento 2w6762

O esquema fenício, novo filme de Wes Anderson 6g4xh

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O diretor e roteirista Wes Anderson é conhecido pelo seu estilo único e marcante, com imagens perfeitamente simétricas, personagens estranhos e um humor bem peculiar. Talvez a grande crítica às suas produções seja exatamente essa, de seu estilo ser sempre o mesmo, como se o cineasta não se renovasse. Porém, entre seus trabalhos mais recentes, nenhum tem tanto estilo quanto O Esquema Fenício.

Na trama, o excêntrico magnata Zsa-Zsa Korda (Benicio Del Toro) já sobreviveu a sucessivas tentativas de assassinato e é pai de nove filhos homens e uma única menina, a freira Liesl (Mia Threapleton). Ele determina que ela seja a única herdeira de seu patrimônio, mas antes, pede a ajuda da filha para garantir que seu projeto de vida finalmente saia do papel. Agora, eles precisarão viajar pelo mundo, acompanhados pelo tutor Bjorn (Michael Cera), a fim de negociar pessoalmente com seus parceiros investidores.

O longa é a sexta parceria entre Wes Anderson e o roteirista Roman Coppola, que iniciou em Viagem a Darjeeling (2007). Vale lembrar que 2023 foi um dos anos mais produtivos de Wes Anderson, que além de lançar Asteroid City nos cinemas, fez um projeto de quatro curtas-metragens com a Netflix, adaptando contos do autor Roald Dahl. Todos são imperdíveis, em especial A Incrível História de Henry Sugar,que rendeu a Anderson o primeiro Oscar de sua carreira.

Mesmo sem a profundidade narrativa de seus outros filmes, o diretor consegue, graças a química entre Benicio Del Toro e Mia Threapleton, explorar um relacionamento genuíno entre pai e filha. Além do ótimo trio principal, vemos participações de luxo de habituais colaboradores do diretor, como Willem Dafoe, Tom Hanks, Bryan Cranston, Jeffrey Wright, Bill Murray, Scarlett Johansson e Benedict Cumberbatch.

Trabalhando pela primeira vez com Wes Anderson, a fotografia de Bruno Delbonnel é fantástica, abrangendo toda a cenografia do filme, que tem locações de encher os olhos, e que já encantam logo na sequência inicial. Destaque para as belíssimas sequências em preto e branco, que mostram o mundo onírico do protagonista. Além disso, a trilha sonora é do lendário compositor Alexandre Desplat, parceiro de Anderson desde O Fantástico Senhor Raposo (2009), e vencedor do Oscar com O Grande Hotel Budapeste (2014).

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Para os que acompanham a carreira do diretor, e fãs como eu, os temas comuns de sua filmografia estão presentes aqui: relações familiares, natureza humana e humor improvável. No entanto, o filme traz dois novos elementos, incomuns em seu universo, o suspense e a ação. Reafirmando sua identidade, embora sem o brilho de produções anteriores, Wes Anderson prova com o visualmente ambicioso O Esquema Fenício que ainda é capaz de entregar boas histórias.

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Brasil e mundo 12h5a

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio 6t4rw

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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