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Adaptado do livro de memórias de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui narra a emocionante trajetória de sua mãe, Eunice Paiva (Fernanda Torres), durante a ditadura militar. Ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1970, acompanhamos a rotina da família, que vive confortavelmente na frente da praia, numa casa sempre de portas abertas para receber os amigos.
Um dia, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) é levado por militares, acusado de conspiração contra o governo, e nunca mais voltou para casa. Sem vestígios e provas do paradeiro de seu marido, Eunice precisa se reinventar e traçar um novo futuro para si e os seus cinco filhos.
O filme do diretor Walter Salles explora não apenas o drama pessoal de Eunice, mas também o impacto do regime militar na vida de milhares de famílias brasileiras. Com uma narrativa profunda e sensível, Ainda Estou Aqui traz à tona questões de perda, coragem e resiliência, enquanto revisita um dos períodos mais sombrios da história do Brasil.
A trama, então, nos leva pelo período após o desaparecimento de Rubens Paiva, retratando a perseguição enfrentada pela família e a luta de Eunice em manter o bem-estar de seus filhos e a buscar respostas para o sumiço do marido. Vale lembrar que ela também foi capturada e ou dias sob interrogatório policial até poder retornar para casa.
A sensação de perda que a narrativa provoca é profunda, daquelas que apertam e nos fazem refletir. A produção é um tributo à força de Eunice Paiva, cuja busca pela verdade sobre o destino de Rubens se estenderia por décadas, se tornando uma figura central na luta pelos direitos humanos no país.
Em uma das melhores atuações do ano, Fernanda Torres está brilhante em cena, ando da dona de casa de classe média alta para uma vítima do regime militar, explorando toda a força de sua protagonista. Como Rubens Paiva, Selton Mello impressiona na semelhança física e está ótimo no papel do homem que tentava manter escondida a ajuda dada às pessoas que precisavam fugir da perseguição da ditadura, em contraste com a vida comum de um pai de família divertido.
Se há algo aqui que se sobressai é a qualidade de todo o elenco e do incrível trabalho na recriação dos personagens reais, com coadjuvantes como Humberto Carrão, Maeve Jinkings, Daniel Dantas e Dan Stulbach. Como esperado, nenhuma participação especial é tão impactante como a de Fernanda Montenegro, que interpreta a versão mais velha de Eunice Paiva. Ela protagoniza a cena mais intensa do filme, daquelas que é impossível não se emocionar, e que deixa a sala de cinema em um completo e respeitoso silêncio.
Conhecido por seu olhar sensível, Walter Salles retorna ao cenário internacional após os aclamados Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004). O diretor mais uma vez aposta em questões fundamentais, em tons políticos, filosóficos e cinematográficos, como memória e identidade.
Tecnicamente impecável, o filme apresenta a excelente fotografia de Adrian Tejido, que inicia com a ensolarada praia carioca, porém, quando Rubens sai de cena, o tom sombrio toma conta da narrativa, e a casa da família a de acolhedora para intimidadora.
Escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar, Ainda Estou Aqui possui grandes chances de ser indicado. Afinal, poucos filmes irão emocionar com um drama simples, mas universal sobre família e afeto. O grande filme do ano até o momento. Extremamente necessário e imperdível.