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Cultura e entretenimento 2w6762

Barbeiro no hospício 5q2sw

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José Luis frequentava o bar Túlia desde sempre e nossa mesa não sabia seu nome. Chegava no início da noite, vinha sozinho, trazia um livro e um lápis, pedia um prato com carne e bebia da sua própria garrafa de vinho – uma deferência para poucos. Depois de comer, amassava o guardanapo, pedia para retirar a louça, voltava a ler e rabiscar no livro, olhava o relógio, esvaziava o que havia sobrado no cálice, acenava para o caixa e ia embora. Sem conversas. Sem variações.

Nossa mesa, numerosa e diversa – o centro do mundo no Túlia –, sabia tudo, bebia muito e discutia qualquer coisa: de disputas futebolísticas a definições kantianas; de letras de sambas a receitas de feijoada. As almas não eram pequenas.

Certa noite, durante uma argumentação mais intensa sobre a primazia da razão ou da emoção nas relações conjugais, e antes que os argumentos gritados virassem algo mais sério, uma troca de olhares incentivou Joana a ampliar a roda:
– E o nosso amigo, o que acha? Não prevalece o impulso?

José Luis aceitou a provocação. Guardou o lápis, fechou o livro, acenou para um dos garços apontando seu cálice, puxou uma cadeira, apresentou-se, disse que não gostava muito de falar, pediu perdão por ter ouvido, involuntariamente, parte da discussão e sorriu para Joana.

– Muito prazer – responderam os barulhentos, em coro.
– Não prevalece o impulso? – Repetiu Joana.

O convidado fez uma pausa dramática, tomou um gole de vinho, abriu o livro na página de rosto e leu o que havia rabiscado, traindo sua escuta involuntária:
– Com relação aos impulsos de minha alma, faço como barbeiro de hospício: ouço o pedido, sorrio, não discuto e executo, com todos os cuidados, o que manda minha razão. Entretanto, sei disso, a alma não gosta de ser enganada.

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Acima do vozerio que surgiu, Joana foi à luta:
– Pode até ser. Mas, me perdoe, quem puxou a cadeira aqui, foi a sua alma. E, se ficar, também vai ser porque ela mandou. Será por impulso!

Algo encabulado, José Luis sorriu diante da gritaria.

Minutos depois, quando o garçom foi servir mais vinho, ele colocou a mão sobre o cálice e, falando baixo, comandou alguma coisa.

Ninguém soube dizer, mais tarde, se o celular do então apelidado barbeiro de louquinhos havia realmente tocado, ou não. O fato é que ele levantou, atendeu o telefone, se afastou, tapou o bocal, voltou à mesa, sorriu simpático, recolheu seu livro, disse obrigado e boa noite, acenou para o caixa e foi embora.

Só bem mais tarde, na hora de repartir a conta, é que fomos informados que ela já estava paga.

Não lembro da roupa do José Luis naquela noite nem quanto tempo ele demorou a retornar ao Túlia; o livro, lembro bem, era O que falamos quando falamos de amor, de Raymond Carver.

No mês que vem, abril, Joana e José Luis completam dez anos de casados. A alma não gosta de ser enganada.

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Página de Vitor Bertini – AQUI.

Depois de tudo, escritor. Autor do livro "Não me Abandone" - Editora Esquina do Lobas e da página "A História da Sexta".

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Cultura e entretenimento 2w6762

O esquema fenício, novo filme de Wes Anderson 6g4xh

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O diretor e roteirista Wes Anderson é conhecido pelo seu estilo único e marcante, com imagens perfeitamente simétricas, personagens estranhos e um humor bem peculiar. Talvez a grande crítica às suas produções seja exatamente essa, de seu estilo ser sempre o mesmo, como se o cineasta não se renovasse. Porém, entre seus trabalhos mais recentes, nenhum tem tanto estilo quanto O Esquema Fenício.

Na trama, o excêntrico magnata Zsa-Zsa Korda (Benicio Del Toro) já sobreviveu a sucessivas tentativas de assassinato e é pai de nove filhos homens e uma única menina, a freira Liesl (Mia Threapleton). Ele determina que ela seja a única herdeira de seu patrimônio, mas antes, pede a ajuda da filha para garantir que seu projeto de vida finalmente saia do papel. Agora, eles precisarão viajar pelo mundo, acompanhados pelo tutor Bjorn (Michael Cera), a fim de negociar pessoalmente com seus parceiros investidores.

O longa é a sexta parceria entre Wes Anderson e o roteirista Roman Coppola, que iniciou em Viagem a Darjeeling (2007). Vale lembrar que 2023 foi um dos anos mais produtivos de Wes Anderson, que além de lançar Asteroid City nos cinemas, fez um projeto de quatro curtas-metragens com a Netflix, adaptando contos do autor Roald Dahl. Todos são imperdíveis, em especial A Incrível História de Henry Sugar,que rendeu a Anderson o primeiro Oscar de sua carreira.

Mesmo sem a profundidade narrativa de seus outros filmes, o diretor consegue, graças a química entre Benicio Del Toro e Mia Threapleton, explorar um relacionamento genuíno entre pai e filha. Além do ótimo trio principal, vemos participações de luxo de habituais colaboradores do diretor, como Willem Dafoe, Tom Hanks, Bryan Cranston, Jeffrey Wright, Bill Murray, Scarlett Johansson e Benedict Cumberbatch.

Trabalhando pela primeira vez com Wes Anderson, a fotografia de Bruno Delbonnel é fantástica, abrangendo toda a cenografia do filme, que tem locações de encher os olhos, e que já encantam logo na sequência inicial. Destaque para as belíssimas sequências em preto e branco, que mostram o mundo onírico do protagonista. Além disso, a trilha sonora é do lendário compositor Alexandre Desplat, parceiro de Anderson desde O Fantástico Senhor Raposo (2009), e vencedor do Oscar com O Grande Hotel Budapeste (2014).

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Para os que acompanham a carreira do diretor, e fãs como eu, os temas comuns de sua filmografia estão presentes aqui: relações familiares, natureza humana e humor improvável. No entanto, o filme traz dois novos elementos, incomuns em seu universo, o suspense e a ação. Reafirmando sua identidade, embora sem o brilho de produções anteriores, Wes Anderson prova com o visualmente ambicioso O Esquema Fenício que ainda é capaz de entregar boas histórias.

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Brasil e mundo 12h5a

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio 6t4rw

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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